A extraordinária paixão que o futebol desperta resulta de muita coisa que está mais que explicada. Mas resulta acima de tudo da sua extraordinária capacidade de surpreender. "O que hoje é verdade, amanhã é mentira", como Pimenta Machado eternizou há muitos anos, tornando o cromo que foi, quase num filósofo.
Depois de uma viragem de 360 graus a meio da semana, a Luz esperava hoje pelos efeitos da chicotada psicológica. Os cinquenta mil que nunca desistem começaram por ver as anunciadas palmas de Rui Vitória para a entrada dos jogadores em campo, representasse isso a viragem que representasse.
Duvidava-se que representasse alguma coisa, até porque o jogo cedo começou a mostrar que o futebol apresentado representava, também ele, uma viragem de 360 graus relativamente aos jogos anteriores. Estava no mesmo sítio, o mesmo futebolzinho previsível, para o lado e para trás. Notava-se no entanto uma pequena diferença na entrega dos jogadores. A forma como discutiam cada bola, já era outra. Condição necessária, mas não suficiente para melhorar a fraca qualidade de jogo, que se mantinha.
Percebia-se que os jogadores (já) queriam, mas não podiam. Faltava-lhes confiança para fazer melhor, e velocidade para surpreender o adversário. Os minutos passavam e os jogadores do Feirense mantinham-se confortáveis a dar conta do recado. Do Benfica, nem remates quanto mais oportunidades de golo... Nada, de nada.
No estádio, mudo e calado - as claques, melhor, os grupos organizados de adeptos, fizeram greve durante os primeiros 30 minutos - já só se esperava que, como nos últimos jogos, que o Feirense chegasse ao golo na primeira vez que chegasse à baliza de Vlachodimos. Até porque Tiago Silva, o 10 do Feirense e o melhor em campo nesse período, tinha tempo espaço para mostrar a sua qualidade. Que é muita, e que nos parecia ainda maior!
A saída para o intervalo deixava a Luz longe das boas sensações.
Só que, sem que nada o fizesse esperar, o Benfica regressou ao campo com uma viragem - agora sim - de 180 graus no seu futebol. E, como que por magia, vimos de volta o melhor futebol que por cá se vê. Com tudo o que tem de ter: futebol corrido, de toque, desmarcação e recepção, velocidade, variação de lances, pressão sobre o adversário e sobre a bola.
Um autêntico vendaval de futebol. O golo surgiu de imediato, como nunca deixa de acontecer quando assim se joga. Apenas 4 minutos depois do apito para o reinício e quando, 7 minutos depois, surgiu o segundo (que um defesa do Feirense roubou ao Jonas), já o Benfica tinha criado mais três ou quatro claríssimas oportunidades de golo.
A avalanche de bom futebol não abrandava, e as oportunidades sucediam-se em perdidas para todos os gostos. Ora em falhanços clamorosos, ora em puro azar, ora ainda em simples acidentes de jogo, como no golo anulado a Jonas, num fora de jogo indiscutível à luz da letra da lei, mas inaceitável à luz da própria jogada.
Esta segunda parte de luxo não rendeu mais que quatro golos, como na Madeira, com o Nacional. Justificou pelo menos o dobro mas, acima de tudo, justificou os aplausos com que a Luz se despediu dos jogadores.
Não sei onde cairam as palmas de Rui Vitória à entrada. Mas estas, do Estádio inteiro à saída, não podem ter caído em saco roto. Estas imagens da Luz em festa, esta comunhão imensa, como a chama, entre adeptos e equipa, terão de ficar como a imagem da reviravolta.
Quando tudo ficara como dantes, agora, nada pode ficar como dantes!