Guardiola, Outra Forma de Corroer e Picar
Agora que Guardiola disse adeus ao FC Barcelona convém que os adeptos portugueses do símbolo maior político-desportivo da Catalunha não lhe façam uma espécie de encómio mortuário. Continua vivo e provavelmente trabalhará num outro clube qualquer. Não acho nada que a taciturnidade de Guardiola seja estratégica. Corresponde ao seu modo de ser, o que é muito diferente, e só prestigiou o seu clube tendo em conta os vincados valores colectivos que inculca a todo o seu futebol. Se cada qual é como é, considero tão admirável que se possa ser como Guardiola, um cínico suave, um subtil provocador, um manuseador dos segundos sentidos e dos implícitos e inferências, assim como outros só podem ser como Mourinho, que não esconde o gigantismo do ego e se entrega aos jogos florais da palavra provocadora, performativa, perdendo-se ou encontrando-se na agressividade verbal, pois: «Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu. Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou; Tempo de matar, e tempo de curar; tempo de derrubar, e tempo de edificar; Tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar; Tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de afastar-se de abraçar», segundo o Eclesiastes 3, 1-5. A vida pública, afinal é um teatro onde se exacerba a palavra e a imagem, caso contrário pouco lhe resta de modelar ou digno de atenção e de público só terá placidez e sono, autofagia e antítese do que é mediático e público por definição. As polémicas fazem parte da vida. Saber criá-las e matá-las é uma arte. A arte mediática de Guardiola foi, e é, o apagamento e a simplicidade pessoais. Mas não confundamos as coisas — há também beleza na raiva e na ambição feroz de vencer, expressas em conferências de imprensa duras, onde outros as fazem sempre plácidas e modorrentas, fingindo o desapaixonado, quando dentro ardem labaredas de competição, apenas sublimadas por se fica calado. Portanto, não vale a pena beatificar Josep Guardiola i Sala. A palete da vida tem muitas cores. Para quê preferir o cinzento, quando há tanto azul, amarelo e verde?!